
À ESPERA DOS BÁRBAROS
Marc do Nascimento
O gesto de elevar a face, voltando os olhos ao céu, concede segurança aos céticos e aos esotéricos, provocando tanto indagações quanto respostas, na mesma medida, aos astrônomos e aos astrólogos. Ao erudito, o firmamento transpõe-se em teoremas; à mente fantasiosa de uma criança, a noite guarda ficções e fobias, as estrelas abrigam mundos, são habitat, reino ou destino de suas personagens; àqueles que creem, os astros podem inferir padrões de comportamento em cada indivíduo: na dúvida, atente à configuração dos planetas no momento exato do seu nascimento.
Seja pelo fascínio despertado, seja pela racionalidade que convoca, o cosmos é a métrica mater na obra de Marc do Nascimento. Um exercício de observação atua como gesto fundador em sua produção, guiando o artista na construção de composições que confluem uma evidente geometria — aleatória à primeira vista — com simbologias enigmáticas, em um fazer que funde e ordena, que vai da subjetividade e da emoção à síntese e à abstração.
Desde os tempos ancestrais, os sábios buscam compreender (ou dominar) a incógnita que o Universo encerra, empregando toda sorte de equipamentos, instrumentos ópticos e cálculos para se aproximar anos-luz da lucidez. Somam-se a essas tantas estratégias outros intentos de enformar tudo aquilo que os olhos avistam: pensemos no imaginário que transpõe o desenho do céu em contornos cognoscíveis, que traça linhas entre as estrelas identificando nelas a imagem de um escorpião ou a silhueta de Órion — protegido por um escudo e com sua espada em riste.
Kosmo, em grego, significa ordem ou harmonia — um referencial central ao conjunto das formas de Marc do Nascimento, nas quais o artista impõe certa sistematização a uma condição inerentemente desordenada. Envolta em uma mística neoconcreta, a exposição À Espera dos Bárbaros — batizada em reverência ao nebuloso poema homônimo de Konstantinos Kavafis — reúne trabalhos recentes do artista, em evolução a seu itinerário de racionalidade e intuição.
Na série Plêiades, um conjunto de relevos orbita as paredes, à semelhança de constelações, revelando composições que não se esclarecem: as placas metálicas são esquadrinhadas em fragmentos, dispostas como caleidoscópios e, por fim, recompostas em um tangram de arestas e reticências. Ao exagerar a diferença entre dentro e fora, entre contínuo e interrompido, um semblante de ordem é criado: com seus perímetros ziguezagueados, a matéria de cada obra atua como núcleo em expansão, extrapolando as bordas, transpondo sua energia vital em um big bang de linguagem e aritmética.
É pontual, ainda, destacar que seus trabalhos — esculturas? colagens? desenhos? — reivindicam um lugar no espaço, extrudidos do plano vertical, prostrando-se com igual teatralidade através de armaduras, exoesqueletos ou domos protetores: a austeridade do aço, com soldas-cicatrizes evidentes, se faz fortaleza de um perigo iminente. O inferno são os outros, os bárbaros, ou nós mesmos?
Marc do Nascimento incorpora, aclara e embaralha a cartografia — celeste ou terrena —, cotejando-a com saberes que vão da Mitologia ao Construtivismo, das crônicas medievais às máximas bauhausianas. Entre o rigor e o instinto, Marc transforma o espaço expositivo em uma noite alva, ofuscante, que vidrilha reiteradamente a forma do triângulo — equilátero, isósceles ou escaleno —, transpondo a narrativa pictórica em fenômeno óptico: à espera do desconhecido, em uma via-sacra que se dilata em Via Láctea.
Henrique Menezes